Certa vez li, talvez na estampa de uma camiseta ou num post qualquer de rede social, a máxima "gentileza gera gentileza”. Lembro de como me pareceu clichê, daquelas frases de efeito prontas, perfeitas para serem ditas (ou lidas!) em forma de indiretas ou campanhas de conscientização. No entanto, ela me fez refletir: é mesmo necessário reafirmar o óbvio?
Penso que se estamos imersos em um mundo de pressa e caos, no qual o mau-humor e a grosseria são muitas vezes justificados pelo estresse cotidiano, acredito que sim. Quem nunca ouviu um “acho que fulano não está num bom dia” por trás de um sorriso amarelo... Para além das boas-maneiras, não podemos esquecer que a gentileza é, sobretudo, um ato de amor ao próximo.
Digo isso pela convicção de quem experimentou seus efeitos. Numa manhã, quando ainda era recém-habilitada e estremecia ao ter que enfrentar qualquer tráfego maior que aquele do pacato bairro onde morava, deixei o carro morrer em uma avenida movimentada. Me lembro que entre buzinadas hostis e um ou outro palavrão, um vidro se abaixou e um olhar encontrou o meu, como se tentasse me acalmar em meio às minhas tentativas frustradas de fazer com que o carro ligasse novamente e meu pé alcançasse o equilíbrio da embreagem.
"Moça, você precisa de ajuda?”, a mulher disse com a voz serena sem se importar com os demais à nossa volta. Eu ainda não sei dizer o que me ocorreu nesse momento, se foi o fato de repentinamente ter alguém a quem recorrer, ou se aquela pergunta dita de forma tão gentil me acolheu e me deu o ímpeto de coragem que precisava para encarar meus medos. Contudo, gosto de pensar nessa última opção.
Acenei com a cabeça e tentei mais uma vez, como se ela tivesse desligado os ruídos que me confundiam. Quando consegui sair do local, estava trêmula,mas orgulhosa e grata por aquela desconhecida que cruzara meu caminho e que, de fato, me viu para além de uma motorista ‘barbeira’, como notei um homem resmungar raivoso, como quem está sendo atrapalhado.
E se a vida nos dá lições, dessa pequena situação cotidiana eu tirei um grande aprendizado. Muitas pessoas passaram por mim e foram rudes porque são assim ou talvez não soubessem que eu era nova em termos de trânsito, não conheciam o meu contexto. Mas a postura paciente daquela mulher estava carregada de empatia e seu olhar me dizia "eu sei pelo que você está passando, tenha calma e vai se sair bem". Hoje, as buzinadas se esvaírame os rostos viraram memórias abstratas irreconhecíveis, mas seu gesto de gentileza e sua face amiga me marcaram. Esses sim, tornaram-se inesquecíveis.
Assim,me dei conta que é através da gentileza que quero marcar os caminhos de outras pessoas.
Professora Ana Laura Rala
Língua Portuguesa